Pode-se dizer que as alterações do olfato, de forma geral, atingem cerca de 20% da população. As pessoas privadas de um olfato considerado normal invariavelmente também apresentam alterações no paladar e, por conta disso, podem demonstrar dificuldade em realizar atividades diárias, como cozinhar, degustar as refeições ou cuidar bem da sua higiene.
Considerando que saborear os alimentos consiste em um dos maiores prazeres humanos, e que estes sentidos nos ajudam na conexão com o mundo externo, é relatado também na literatura que pessoas com alteração no olfato e no paladar tornam-se mais suscetíveis à depressão, a acidentes por vazamentos de gás e intoxicação alimentar.
Pesquisadores identificaram que as viroses comuns e, agora mais particularmente, o novo coronavírus, figuram entre as principais causas desta disfunção. Entretanto, não se pode deixar de lado as demais possibilidades que contribuem para a anosmia/hiposmia, como as sinusites, processos inflamatórios e obstrutivos, traumas, envelhecimento natural e até mesmo doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.
Sabemos que um dos sintomas sugestivos de Covid-19 é a perda de olfato, e consequentemente, a perda do paladar. A febre, ao lado da tosse seca e da falta de ar, vêm sendo importantes parâmetros para ajudar a identificar uma possível infecção, mas foi observado, já no início da pandemia, que havia outros sintomas também muito prevalentes e, entre eles, a redução ou perda do olfato.
Esse sintoma, inclusive, está relacionado muitas vezes aos casos mais leves da doença. As células do bulbo olfatório encontram-se na parte mais superior do nariz, já bem pertinho do cérebro, e já ficou demonstrado que elas possuem enzimas que se ligam a uma proteína do vírus, permitindo a entrada e a replicação do vírus na célula. Desta forma, visto que é um problema devido a um comprometimento neurológico, confirmado até mesmo através de exames de imagem, é muito característico que o paciente apresente alteração aguda do olfato sem sintomas obstrutivos que o justifiquem. Esse contato acaba gerando uma lesão nas células olfatórias, que pode ser desde um edema até a sua destruição.
Quando há dificuldade em identificar a alteração, especialmente nas crianças menores, pode-se fazer o teste do olfato de forma bem simples em casa, por exemplo, utilizando uma bola de algodão com algumas gotas de álcool 70%. Pede-se para a pessoa que vai ser avaliada fechar os olhos, e o examinador vai aproximando muito lentamente o artefato, a cada respiração. Desta forma, pode-se supor uma alteração quando só é possível sentir o cheiro a uma distância menor que uns 15 cm.
Até o momento, para as causas gerais, ainda não existem tratamentos eficazes bem estabelecidos para os problemas do olfato, exceto nas causas objetivas, obstrutivas, como tumores e inflamações. Entretanto, é sabido que o tecido olfativo apresenta certa capacidade de regeneração, e é sobre esse fato que se debruçam algumas propostas de melhoria da função, através de um processo chamado treinamento olfativo. Quando há outros sintomas nasais associados, pode ser recomendado o tratamento com medicações de forma tópica, oral, ou até mesmo uma suplementação alimentar. Mas o fato é que o treinamento da função olfativa consiste simplesmente em experimentar diferentes odores diariamente, por alguns segundos, de forma continuada e perseverante, durante meses.
Há na literatura algumas tentativas de padronização para este treinamento, com substâncias facilmente encontradas no nosso dia a dia. Estes “kits” vão desde o uso de essência de cravo, limão e eucalipto, até o uso de pó de café, suco artificial, vinagre, creme dental de menta, essência de baunilha e mel. E quanto maior o dano causado às células nervosas, mais tempo e menor a probabilidade de recuperação espontânea. Sendo assim, faz-se necessário que o paciente com alterações do olfato procure o seu médico otorrinolaringologista, assim que possível, para que seja feito o diagnóstico e o tratamento mais adequados para cada caso.
Cristiane Teixeira
Otorrinolaringologista – Membro do Corpo Clínico NOOBA
CREMEB: 18333 / RQE: 7098